O que a sucessão do Papa ensina sobre herança e proteção do patrimônio
coluna-especialistas
O que a sucessão do Papa ensina sobre herança e proteção do patrimônio
6 mai 2025


Desde o século I, a Igreja Católica Apostólica Romana preserva uma continuidade ininterrupta em sua liderança espiritual, mesmo após a morte ou renúncia de seus Papas.
Essa sucessão não ocorre por acaso, tampouco por improviso. Trata-se de um processo sólido, amparado por normas milenares, que asseguram à Igreja a perenidade de sua missão evangelizadora.
Quando o Papa falece ou renuncia, a Igreja entra em um período denominado sede vacante. A Sé Apostólica permanece oficialmente sem titular, e nenhuma decisão de governo pode ser tomada até a eleição do novo Pontífice.
Os cardeais com menos de 80 anos são convocados ao Vaticano para o Conclave, realizado sob clausura na Capela Sistina. Durante esse período, são privados de qualquer comunicação externa, sem telefone, internet ou contato com o mundo, favorecendo o recolhimento e o discernimento espiritual.
A eleição ocorre por votação secreta. São necessários, no mínimo, dois terços dos votos para que um nome seja confirmado. Não há prazo definido: as votações prosseguem até que se alcance o consenso. Uma vez eleito, o novo Papa escolhe um nome e é apresentado ao mundo com a célebre frase “Habemus Papam!”, acompanhada pela fumaça branca que sinaliza ao povo que a decisão foi tomada.
Trata-se de um processo conduzido com ordem, reverência, oração e responsabilidade. A sucessão, na Igreja, é compreendida como uma missão confiada por Deus, e não como mera transferência de poder.
Quando a sucessão é ignorada, a herança vira um problema
Infelizmente, no Brasil, a realidade é bastante distinta.
A maioria das famílias evita tratar de herança e legado. Quando a sucessão ocorre, é frequentemente acompanhada de conflitos, atrasos, insegurança e, por vezes, injustiças.
Na ausência de planejamento prévio, torna-se necessário abrir um processo de inventário, judicial ou extrajudicial, obrigatório para a transferência de bens. Nomeia-se um inventariante, geralmente um membro da família, responsável por representar os herdeiros e reunir a documentação exigida.
Todos os bens, imóveis, veículos, contas bancárias, investimentos e participações societárias, devem ser identificados, avaliados e formalmente registrados. Esse processo pode durar de alguns meses a vários anos, especialmente em casos de disputas entre os herdeiros ou de documentação incompleta.
Sobre os bens transmitidos incide o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) com alíquotas que variam entre 4% e 8%, podendo alcançar até 20% em alguns estados que propõem sua majoração.
Sem a conclusão do inventário, os bens permanecem indisponíveis: contas bancárias são bloqueadas, imóveis não podem ser negociados e empresas familiares ficam suscetíveis à paralisação.
Da fumaça branca aos testamentos: o que sua família pode aprender com o Conclave
A sucessão na Igreja é estruturada para garantir a continuidade de sua missão, mesmo após a partida do Sumo Pontífice. Não se centra em nomes, mas na preservação de uma instituição milenar.
A sucessão familiar deveria seguir a mesma lógica: proteger o patrimônio construído, promover a harmonia entre os herdeiros e assegurar a continuidade da missão da família, seja ela empresarial, social ou espiritual.
Enquanto a Igreja entra em sede vacante com planejamento e estrutura, muitas famílias enfrentam um verdadeiro limbo por falta de preparo. O Papa é escolhido após oração, critérios objetivos e consenso. A designação do sucessor em uma empresa familiar ou na administração do patrimônio também deveria considerar preparo, capacidade e confiança, e não apenas vínculos afetivos ou convenções sociais.
A fumaça branca simboliza, para o mundo, que a decisão foi tomada de modo legítimo e ordenado. No contexto familiar, isso equivale à formalização de documentos, testamentos registrados, contratos societários bem redigidos e regras claras estabelecidas em vida.
O Conclave funciona porque há regras transparentes, tradição consolidada e confiança no processo. A sucessão patrimonial, quando bem planejada, deve seguir o mesmo princípio: previsibilidade, justiça, proteção e continuidade.
Ferramentas para organizar a sucessão em vida
Planejar a sucessão não é uma decisão que pode ser adiada indefinidamente, trata-se de uma necessidade presente. Há instrumentos legais, patrimoniais e estratégicos que permitem organizar a sucessão em vida, com segurança jurídica e eficiência tributária.
A seguir, destacam-se algumas das principais ferramentas disponíveis:
- Estruturação de Ativo de Liquidez
Criação de reservas financeiras destinadas ao custeio de tributos e despesas decorrentes do inventário, assegurando liquidez à família no momento da sucessão. - Holding para proteção dos Ativos Imobiliários
Estrutura societária que facilita a gestão, proteção e sucessão de bens imóveis, com benefícios fiscais e blindagem patrimonial. - Formalização de Acordo de Sócios
Instrumento essencial para reger a entrada, saída e sucessão em sociedades familiares, evitando conflitos entre herdeiros ou entre ramos distintos da família. - Elaboração de Testamento
Documento jurídico que expressa, de forma clara e válida, a vontade do titular, respeitando os limites legais e organizando a partilha da parte disponível. - Estruturação de Off-shore
Estratégia de proteção e sucessão internacional de ativos, com potencial de otimização fiscal e segurança jurídica (desde que regularmente constituída). - Estruturação de Trust
Mecanismo de proteção e gestão de patrimônio multigeracional, por meio da transferência de ativos a um terceiro de confiança, conforme regras previamente definidas. - Doação em Vida
Antecipação da transmissão patrimonial com cláusulas restritivas, como usufruto vitalício, inalienabilidade e impenhorabilidade, que garantem segurança ao doador. - Constituição de Previdência Privada
Ferramenta eficiente de sucessão, cujos valores são repassados diretamente aos beneficiários, fora do inventário e com agilidade na liberação dos recursos.
O que acontece quando você não se planeja?
Na ausência dessas estruturas, a sucessão será conduzida por terceiros: pelo juiz, pelo Estado ou pela instabilidade familiar. Promessas informais e bilhetes manuscritos não têm validade jurídica. O testamento e os instrumentos formais representam a constituição da vontade do titular. Sem eles, até a melhor intenção pode ser frustrada, e o patrimônio comprometido.
Ignorar a sucessão não impede a morte, apenas assegura a desordem. O Papa sabe que deixará sua missão a outro. Ele se prepara. A Igreja se prepara. Você também pode. E deve.
Planejar é assumir responsabilidade pelo seu legado
A partir do dia 7 de maio de 2025, o mundo acompanhará a escolha do novo Papa. Diante dessa ocasião, convém fazer uma pausa e refletir:
“Se hoje eu partisse... estaria tudo claro? Minha família saberia o que fazer? Preparei meus filhos para continuar aquilo que construí?”
Não permita que o seu legado se encerre com sua ausência. Organize. Dialogue. Planeje. Proteja.
E faça como a Igreja: prepare sua sucessão com sabedoria e serenidade.
Imagem: TIZIANA FABI/AFP


João Cosme Souza e Silva Pereira
Sócio da Blue3 Investimentos e Especialista em Proteção Financeira e Planejamento Sucessório.
Saber mais