Raul Seixas: a eternidade da obra e o vazio do patrimônio
coluna-especialistas
Raul Seixas: a eternidade da obra e o vazio do patrimônio
3 jul 2025•Última atualização: 3 julho 2025


Raul Seixas completaria 80 anos em 2025, e mesmo após mais de três décadas de sua morte, sua obra permanece viva, influente, contestadora e poética.
No entanto, por trás da grandiosidade musical, existe uma realidade pouco romantizada: Raul faleceu sem deixar patrimônio, sem testamento e sem qualquer estrutura sucessória.
Este texto apresenta não apenas a força de sua produção artística, mas também os cuidados que não foram tomados, e que hoje servem de alerta para todos que constroem um legado.
A conta era pequena, mas a história era grande
Raul Seixas faleceu em 21 de agosto de 1989, aos 44 anos. Seu inventário, divulgado anos depois, revelou que ele possuía apenas 300 cruzados novos na conta, menos de R$ 600,00 em valores atuais.
Não tinha imóveis, automóveis nem bens de valor significativo. Sem seguro de vida, previdência, investimentos ou qualquer planejamento patrimonial, sua morte representou, para a família, um fim abrupto também no aspecto material.
Uma herança que não se guarda no cofre
Raul deixou mais de 300 músicas registradas e cerca de 400 fonogramas catalogados no ECAD. Esses direitos autorais continuam sendo a principal — e única — fonte de receita deixada por ele.
Suas músicas seguem sendo executadas, regravadas, difundidas em plataformas digitais e homenageadas em tributos. O valor simbólico é imenso, mas o valor financeiro poderia ser muito maior, caso esses ativos tivessem sido organizados, protegidos e explorados estrategicamente ao longo das décadas.
Um gênio, três filhas e nenhuma estrutura
Raul foi casado oficialmente três vezes. Com Glória Vaquer, teve sua primeira filha, Simone Seixas. Com Kika Seixas, nasceu Scarlet Seixas. De seu relacionamento com a cantora Vera Lúcia, nasceu sua terceira filha, Vivianne Seixas, hoje DJ e uma das principais responsáveis pela preservação da memória do pai.
Apesar de seu gênio criativo e influência cultural, Raul partiu deixando três filhas e nenhum planejamento sucessório formal.
O papel que nunca foi assinado
Raul não deixou testamento. Não havia qualquer diretriz sobre a destinação dos direitos autorais, o uso de sua imagem ou a administração da obra.
A gestão do espólio foi assumida de maneira informal, inicialmente por sua ex-esposa, Kika Seixas, e posteriormente por suas filhas. Esse trabalho, no entanto, é fruto de esforço pessoal, e não de um plano previamente estruturado.
Liberdade demais pode custar caro
Raul pregava a liberdade total, e sua vida refletia essa filosofia. No entanto, do ponto de vista prático, essa postura resultou na total ausência de estrutura empresarial.
Não foi criada editora própria, empresa familiar ou holding para centralizar e proteger os ativos de sua obra. O uso de seu nome, imagem, letras e melodias permaneceu, por muitos anos, desprotegido, sujeito a interpretações, usos indevidos e negociações fragmentadas.
O homem tinha a visão, mas faltou o plano
Com a amplitude de sua obra e o impacto cultural que gerou, Raul Seixas poderia ter adotado medidas básicas para proteger seu legado e garantir estabilidade à sua família. Entre elas:
• Formalizar um testamento com diretrizes claras sobre direitos autorais e uso de imagem;
• Criar uma holding artística ou empresa familiar para gerir contratos, receitas e ativos culturais;
• Registrar sua marca e nome como propriedade intelectual, com regras claras de uso;
• Firmar contratos estruturados com editoras e gravadoras, prevendo renovações automáticas e repasses aos herdeiros;
• Nomear curadores ou administradores legais para acompanhar o uso futuro de sua obra;
• Contratar um seguro de vida, assegurando amparo financeiro imediato à família.
A ausência de um seguro de vida foi especialmente prejudicial, considerando sua saúde debilitada nos últimos anos e o fato de ele ser o provedor exclusivo da própria renda.
Oito décadas de presença, mas a estrutura ficou ausente
Em 2025, o Brasil celebra os 80 anos de nascimento de Raul Seixas. A data é marcada por homenagens, relançamentos, regravações e projetos audiovisuais. Sua voz continua a ressoar em gerações que sequer o conheceram em vida. Contudo, essa celebração também expõe uma lacuna: a ausência de uma estrutura jurídica sólida que pudesse preservar, expandir e valorizar seu patrimônio artístico de maneira contínua e profissional.
Eternidade da obra, o silêncio da proteção
Raul Seixas nos ensinou que o artista é uma ponte entre mundos. Mas também nos deixou, mesmo sem intenção, uma advertência: uma vida grandiosa, sem responsabilidade quanto ao futuro, pode deixar para trás não apenas saudade, mas também vulnerabilidade.
Sua música tornou-se eterna. Seu patrimônio, não. E talvez o verdadeiro grito de liberdade que nos cabe hoje seja este: criar, mas também proteger. Inspirar, mas também planejar. Viver intensamente, mas partir com consciência.


João Cosme Souza e Silva Pereira
Sócio da Blue3 Investimentos e Especialista em Proteção Financeira e Planejamento Sucessório.
Saber mais